terça-feira, 21 de setembro de 2010

Reportagem: técnica ou arte?

Como tudo na vida, uma boa reportagem começa com uma boa idéia. Com a intuição do repórter para farejar fatos sensacionais ou muito graves. Porém ao contrário do que muitos pensam a reportagem não é uma noticia grande e sim uma grande noticia. Não entendeu? Deixe-me explicar. Para tornar-se reportagem o assunto tem que ser de grande relevância para o leitor. Por isso uma grande noticia.

Muita gente se confunde nessa parte. Acham que escrever uma reportagem é apenas “alongar” a noticia. Por isso não basta fazer "nariz de cera", ou melhor, "encher lingüiça". O leitor não é bobo. Ele está cada vez mais exigente. E antes dele há o editor cobrando qualidade o tempo todo. A reportagem é o caminho para a consagração de um repórter logo em seus primeiros anos de carreira. Mas também é a sepultura de quem tem preguiça de apurar.


Mão na massa

Mas o que é preciso para se fazer uma boa reportagem?

“É necessário ter boas fontes. Uma boa compreensão do fato como um todo, e saber se ele é de interesse da coletividade. Precisa-se fazer uma apuração ampla do fato, ouvindo todos os lados da situação, colhendo o máximo de informação.”, explica Gustavo Nascimento, estudante do 6º semestre de jornalismo.

Fazer uma reportagem não é tão simples como muitos pensam, porém o sacrifício se paga, por maior que seja, quando o jornalista vê seu texto publicado e gerando reações, na sociedade, nas instituições, no país. Ser jornalista não é ganhar dinheiro (porque vender carro usado é mais lucrativo). É mudar o mundo (ou pelo menos é essa a intenção). Jornalista é uma profissão para grandes mentes e grandes corações. Mais aí vai uma advertência: É preciso ter coragem para ver, coragem para contar o que viu, coragem para espantar o medo e principalmente coragem para conviver com o medo.

“Quem parte para a investigação jornalística deve domesticar a arrogância de pensar que sabe tudo. Ela é inimiga da boa investigação", diz Delvânia Góes, jornalista e professora universitária. E ainda completa: “Para fazer uma boa reportagem o jornalista deve escapar dos limites da redação e não se prender a rodinhas de amigos, porque a grande notícia tem que ser buscada, checada, conferida ali onde o homem está, no meio do povo, na rua, nas esquinas do mundo.”

Boa informação nunca fez mal à sociedade. Mas para encontrá-la, é preciso muito esforço, persistência, aplicação e criatividade. Ela não se oferece fácil. Pode estar na penumbra social ou num balanço contábil, por exemplo. É preciso “desfazer a maquiagem” dos números para saber o que ocultam. Jornalismo é impulso movido, principalmente, pela indignação.

Para os jornalistas iniciantes, uma ótima primeira experiência é lidar com a reportagem policial e com a cobertura de hospitais, pronto-socorros e necrotérios. Por quê? Simples, a conduta da reportagem policial revela o caráter do jornalista e a emoção dos fatos ajuda-o a construir seu texto pessoal, ao exigir o equilíbrio entre a emoção e a verdade. Na reportagem de polícia, o jornalista, faz sua opção ética e política. Fica de um lado ou do outro da sociedade. Com a reivindicação de justiça ou na cumplicidade com o poder do dinheiro. Um jornalista sofre com o mundo quando leva seu ofício a sério. Lembrando que todos nós temos uma posição diante do mundo, associada a nossa identidade essencial.

Impresso x TV

Boas reportagens transformam-se em pauta para os demais jornais e para a televisão. Na verdade, em muitos casos o repórter de jornal tem mais facilidade para levantar informações, porque pode se infiltrar melhor nos ambientes, enquanto a equipe de TV exige, forçosamente, uma parafernália enorme que logo chama a atenção e muitas vezes afugentam fontes preciosas.

De um modo geral, a dinâmica da TV não comporta detalhes de documentação que o jornal pode apresentar. Números, documentos, dados comparativos alcançam melhor entendimento quando impressos, preto no branco: as pessoas podem ler, reler, conferir, arquivar, carregar consigo. É inegável que a TV tem vantagens, como o alcance imediato do país inteiro. Como negar o impacto das imagens da PM paulista espancando pessoas indefesas na Favela Naval? Ou as cenas de trombadinhas em plena ação na Praça da Sé? Mas no dia seguinte os interessados vão procurar o jornal para conferir detalhes que escapam no vídeo e que não se pode arquivar, pois o telespectador comum não assiste à programação das emissoras com o videocassete pronto para a gravação. Nem mesmo a maioria das agências de publicidade tem recursos para gravar simultaneamente várias programações de TV, o tempo todo.


Definição

Pode-se dizer que a reportagem é uma arte. Isso porque, ela não pode ater-se apenas ao relato factual, pois não é, um relatório frio, como um inquérito policial ou um procedimento administrativo, nos quais há muitas informações.

É a arte de reconstruir os fatos com documentação. É um método de investigação da realidade que difere da historiografia, da sociologia ou da antropologia e que tem como centro a arte de investigar os fatos e saber descrevê-los. Isto se faz com melhor ou pior qualidade e tem muito a ver com os valores adquiridos, de quem escreve.

Em A arte da reportagem, volume 1 (Igor Fuser, org., São Paulo, Scritta, 1996), o apresentador da obra, Eugênio Bucci, define: "A reportagem, como a arte, que tem a necessária pretensão de iluminar o significado, de apontar uma direção acima do caos dos eventos cotidianos." Para alcançar este objetivo, "o repórter deve entender o que tem a narrar. E, para entender, precisa sentir. Só então ele ordena o caos (e escreve, encadeando os fatos como são encadeadas as palavras). Porque o repórter sente, as reportagens emocionam. Porque ele entende, elas informam. (Informação, não custa repetir, é um dado que contém sentido para o leitor. Ou não será informação, mas apenas um dado a mais, perdido)."

Dica

Se a sua intenção é fazer uma boa reportagem, então abra bem os olhos para o mundo, aguce todos os seus sentidos, para captar cada detalhe e, com eles, compor um bom conjunto. Aí, é só sair para o abraço ou para o brinde. E não se esqueça: O que se ouve, convém registrar como versão. O fato mesmo depende de mais observação.

Por Heloise Félix

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